Não sei para que serve o dia dos namorados. Juro que não sei. A maioria dos papalvos safa-se com umas flores à menina e, talvez, um “jantar fora” num restaurante com corticite nas paredes e umas lâmpadas a fazer de velas. Elas vestem lingerie de cor que combina, preto com preto, branco com branco, ao invés do resto dos dias em que o que está acima na gaveta é o que vai – na maioria das vezes as cores nem combinam e até brigam, como verde e azul, vermelho e cor de pele, essas coisas que as mulheres sabem bem. É o “despacha” com grande talento.
Já os gajos não sabem como hão-de ir. As escolhas acabam sempre na limitada limitação do blazer ou do pullover com camisa por baixo. Sapatinho que não usam e que lhes faz doer. Na cabeça – e com a idade isto vai piorar, rapazes -, não comer muito e levar a moça ao ponto alcoólico para, dai a um par de horas, a mocita estar capaz de se deixar despir, cheia de caipirinhas e cocktails insuportáveis. Quem pode, vai para casa. Quem não tem, mas ainda há caroço, faz uma escapadinha ao Hotel do Lago, uma coisa decorada nos anos 80 e nunca mais tocada pela estética. Os afoitos vão ao motel, espalham uma garrafa do pior italiano Asti que há, feito na Chamusca. Chamam-lhe ‘champanhe’ mas, na verdade, este insulto às bebidas é muito doce e com baixa graduação alcoólica (6 a 7%). Mais valia vinho à jarra. No quartinho do motel, de cama de água redonda e espelho no tecto, com uma cadeira que ninguém sabe usar, lareira falsa acesa, tentam o acto, mas o estado em que estão dificulta pontaria e sucesso.
Depois, passados dos 40, já têm muita dificuldade em continuar a pensar no mastronço com quem casaram as 26 como o “namorado”. É um inútil que para ali anda e só se lembra de chocolates e flores no dia de S. Valentim e no Dia da Mulher. Uma besta, como é natural, na natureza do homem macho e latino. Já eles pensam: “Então, ela engordou 20 quilos, já nem anca tem, passa os sábados e domingos a queixar-se da roupa que não seca, o cabelo apanhado grisalho ou com madeixas para enganar o público, os tornozelos daquele tamanho… Ca chatice”, e arruma-se ao canto do sofá, deixando em cima da mesa da cozinha um Toblerone que comprou na bomba de gasolina, antes de ir para casa. Ai dela que se mostre romantizada, que ele diz logo que tem o estômago cheio, anda com gases, aquilo hoje não sei quê, mas no próximo fim de semana vão dar um passeio à costa, a ver o mar.
O “namoro” é das coisas mais belas da vida. Envolve a poesia da sedução, a matreirice de apalpar caminho, a dança de corte, a suave altivez do teste à parceira e ao parceiro. É um jogo em que, cada um, troca de papeis, entre presa e predador, dia sobre dia. É abrir um relicário vazio e enche-lo de tantas cartas de amor, aromas perfumados, conversas parvas,
o primeiro beijo, o primeiro telefonema depois do primeiro beijo e a permanente incerteza do que se passa. O namoro é a extraordinária mistura do poema de Rita Lee, que aqui vos deixo o princípio da letra e a ligação para a música.
Parai com o dia dos namorados. Arranjai o dia do amor e sexo. É mais verdadeiro e, ao mesmo tempo, a desilusão do costume!
“Amor é um livro, sexo é esporte
Sexo é escolha, amor é sorte
Amor é pensamento, teorema
Amor é novela, sexo é cinema
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa, sexo é poesia
O amor nos torna patéticos
Sexo é uma selva de epilépticos
Amor é cristão, sexo é pagão
Amor é latifúndio, sexo é invasão
Amor é divino, sexo é animal
Amor é bossa nova, sexo é carnaval”
Veja aqui: https://www.youtube.com/watch?v=px9PQPonjwg
Bom motel!