«Sempre me senti uma estrangeira», diz a antiga atriz de teatro portuguesa Margarida Mauperrin, a viver há mais de cinco décadas em terras britânicas. Mulher determinada, vai todos os sábados com um grupo de ativistas, junto ao município da sua cidade, gritar “Free the Palestine! “Stop the genocide!”.

«Oh! Se grito! valha a minha experiência teatral!» – acrescenta Margarida, entre um trago de café e uma bolacha de gengibre, que tomámos num pitoresco local em Windermere, um dos lagos da Cúmbria inglesa. Foi uma visita surpresa que o seu sobrinho, o jornalista Mário de Carvalho, fez à sua única tia.

A atriz, que recusou em 1970 o Prémio Revelação, ilumina o rosto e lança uma gargalhada ao recordar-se das diatribes que tinha de fazer para escapar à censura marcelista que proibia a exibição de certas peças, como o “Pomar das Cerejeiras” de Anton Tchékhov, ou censurava outras. Rasuravam todas as expressões corporais que traduzissem paixões ou o desejo, como aconteceu com “Anatomia de Uma História de Amor” (1969), uma alegoria muito politizada sobre a situação em que se vivia. Na peça, baseada em vários textos de William Shakespeare, o seu Romeu era Filipe La Feria.

Originária de uma família de classe media alta, que veio para Portugal com as invasões francesas e por cá deixou dois ramos – Mauperrin de Carvalho e Mauperrin Santos – Margarida, pertencente ao primeiro, nem por isso teve uma vida fácil: o seu pai deserdou-a e pô-la fora de casa por ter escolhido ser atriz de teatro.
Premiada pela Imprensa (1970) pelo seu papel em “Victor ou as Crianças no Poder” de Roger Vitrac, peça considerada imoral pelo regime e pela qual foi detida pela PIDE, a atriz recusou recebê-lo alegando razões pessoais. Mais tarde, capa da Revista EVA. em março de 1972, justificava: “estamos muito deficientes na nossa profissão (…) não temos preparação nem modo de a obter, não temos todas as nossas possibilidades em desenvolvimento. Premiar uma profissão que não está plenamente desenvolvida é descabido”.

Nessa entrevista, intitulada “Não ao vedetismo”, a atriz criticava a falta de cursos de formação, a ausência de uma consciência de classe, a não existência de condições laborais e os baixos salários pagos. Estava então a trabalhar na peça “Tartufo” e Margarida Mauperrin que tinha um filho para educar, revoltava-se contra a existência de salários diferenciados para vedetas numa altura em que os atores tinham de trabalhar noutros empregos para sobreviverem. “Um actor pertence exclusivamente ao teatro e não pode estar a fazer outras coisas!” dizia.
Entre as peças que a notabilizaram destacam-se “A Cantora Careca” (1974), dirigida por Herlander Peyrote; “As Três Máscaras (1970), de Pedro Martins; “A Casa de Bernarda Alba” (1966), de Federico Garcia Lorca e encenada por Carlos Avillez.
Mas, também a obra “As Mãos de Abraão Zacut” (1969), levada à cena no Teatro Vasco Santana e em que entra também o seu filho, uma criança, foi considerada pelo Diário de Lisboa, de 31 de dezembro desse ano, como uma das dez melhores peças vistas na capital. Igualmente distinta foi a peça “Os contestatários”, no Teatro Villaret (1971), em que contracena com João Perry. Ambos capa da revista Flama de outubro de 1972.
Mais de 30 anos depois de ter saído para o Reino Unido, Maria Margarida Almeida Mauperrin de Carvalho, que passou a partilhar a sua vida com o britânico Jaff Gardner, regressa a Lisboa e é convidada a protagonizar “Ella” de Herbert Achternbusch (2011), em que recria e interpreta uma nova versão da peça como uma expressão corporal quase vegetal.
Vive então meia dúzia de anos nas Caldas da Rainha, perto de familiares. Em 2007, interpreta Leitura Encenada de O Lavrador da Boémia de Johannes Von Saaz, com Fernando Mora Ramos e, porque sempre ao serviço da cidadania, em setembro de 2013, chegou a candidatar-se à Câmara Municipal daquela cidade.
Em Kendal, onde vive, a designada “cidade cinzenta” devido à sua arquitetura de pedra, rodeada de grandes pradarias, cheias de ovelhas e vacas, junto à fronteira com a Escócia, Margarida trabalhou também no teatro local, colaboração que sempre prestava em várias cidades em que viveu. “Às vezes torciam o nariz por causa do accent (sotaque estrangeiro”, diz Margarida que conserva uma lucidez e humor invejáveis na sua idade.
Nos dez anos que trabalhou como atriz em Portugal, antes do 25 de Abril, Margarida fez muito teatro em grupos amadores por esse país fora: É exemplo o Diploma medalha de honra (1963), no grupo Plebeus de Avintes, pela interpretação nas peças “Giestas Selvagens” e “Os fidalgos da Casa Mourisca (1964). Trabalhou no Teatro Experimental do Porto, participou em programas de televisão sobre o teatro, escreveu textos e até participou no Grupo de Bailado de Anna Mascollo, dando a sua voz a Julieta.
A 24 de julho completa 90 anos e, defensora da eutanásia, que também não está regulamentada no Reino Unido, Margarida Mauperrin diz-se surpreendida pela sua longevidade que “custa ao Estado muito dinheiro em medicamentos”. Ela e seu marido já estão inscritos num programa especial, que neste país se aplica às pessoas idosas, como a preparação para o final da vida…