Quinta-feira,Fevereiro 20, 2025
16.1 C
Castelo Branco

- Publicidade -

Mata liberdade à facada

Quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem de esqueci… Em silêncio amor, em tristeza enfim, escreveu Nuno Nazareth Fernandes antes, antes de que se soubesse que nesse mesmo ano, Portugal iria virar “ponta-cabeça” e transformar-se à mão de Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia numa coisa outra. A madrugada fatal para a ditadura esboroou-a e, às seis da tarde desse dia, o país começava, lento, a perceber, mal, que tinha chegado uma liberdade e uma vida diferente. Já a Celeste tinha dado todos cravos, menos dois, que deu à mãe.

Irrompeu uma esperança intranquila. Que seria aquilo, que queriam os militares? A ver: em 1974, puro Abril, havia uma ideia vaga, pois Spínola, o chefe de Estado saído da intentona vencedora, parecia um rei com reino, tapando imediatamente o lugar do lugar sem nome para qualquer esquema inventado no meio das canas do canavial. Todos ficaram pendurados p’las orelhas ao hertziano rádio, à espera de saber o que era, afinal, aquilo?

Passam dias e o Tareco no cimo da guarita, lembravam-se, gritava odes ao fim do tal Estado Novo, que já nascera velho. O som da bigorna não foi claro nesse dia, o pintor estava apenas moribundo, e no interior do país sabia-se lá o que estava a acontecer.

Requentadas notícias dos vespertinos iam anunciando a nova: estamos livres. Mas de quê? Esperou-se um par de dias para ver Cunhal e Soares num abraço. Sossegou-se. Afinal era ao contrário, o tal golpe. Era para libertar, não para ir mais e mais às direitas, aos conservadores, aos pseudo-fachos que sublimavam as nuvens no céu, chovesse ou não.

E a “Grândola”, que nem é uma obra prima nem hoje se ouve bem, a não ser por convicção, lá veio à rádio na madrugada, depois do depois do adeus, classificado por Saraiva de Carvalho, e tenta citar-se, «Aquela merda que ganhou o Festival». Ignomínia e insulto. Nazareth Fernandes tinha escrito um poema absolutamente preparado para encaixar como senha de qualquer revolta. Otelo, que se saiba, nunca se arrependeu ou pediu desculpa pela frase. Mas, felizmente, não foi ele que escolheu as senhas para a revolta.

Um dia saberemos quem esteve a manobrar tudo. Terá sido Soares e os amaricanos? Terá sido Cunhal e os sovietes? Terá sido Tengarrinha e o seu exército de Educadoras de Infância? Ou o Tony de Matos, o Artur Garcia e o António Calcário (eu sei) que estavam por detrás da tramóia?

Uma vez Garcia dos Santos, general, confessou numa conversa informal e lá na casa dele, à Carlos Mardel, que as comunicações que montou para que aquilo funcionasse foram uma trabalheira de estende-cabo e testa, testa, testa, nas barbas da PIDE e dos policiais ignaros que estariam sempre atentos se a Valsa não fosse dançada a três tempos.

Enganou-se o destino antes: Tourada e Desfolhada foram as verdadeiras senhas de que já estávamos cansados. Um homossexual assumido, com cara bolachuda e pose de diva era o nosso melhor poeta. Provavelmente, hoje, apenas a Adília e o Ramos Rosa se comparam. E o pai do Daniel.

Ary já dava sinais de que isto tinha de acabar. Tordo sabia o que havia de fazer, com a sua imponente, afinada e imaculada vox. Simone de Oliveira, idem. Hoje, arrisco, seriam o Samuel Úria, o B Fachada, a Garota Não e a Gisela João. Todos prontos para dar canelada ao imposto silêncio.

Fez-se a coisa. E 51 anos depois, desfez-se a coisa, pois a malta nem dá valor à livre escolha de palavras que espeta em comentários. Há jornais de parede electrónicos que são levados a sério, centro de atenções. Um, especial, serve para políticos eleitos chutarem mensagens de pesar ou euforia – triste e derradeiro sucumbir ao e no “agora”.

Em suma, hoje é sexta. Raspa-se o Euromilhões e sonha-se com coisas pequenas, como casas, barcos, viaturas italianas da Fiat mas com outro nome. Ninguém sabe o que fazer se for rico, a não ser que se seja já rico. Neste lugar, o legado daquele chefe de executivo nascido no Algarve, coitado, devolveu tudo aos senhores de antanho, mui perseguidos pela injustiça da mais-valia. Diabo nos safe desses 20 anos de inútil personagem, que ninguém de bom juízo se atreve a dizer boa palavra.

Em tempo tão perdido, vale a pena a música nova, a literatura velha, o cinema de às vezes e a grande felicidade de um chouriço de ossos e um tinto da casa. Grelos cozidos.

O mestre enorme dizia, e nós devíamos seguir: sua pele macia era sumaúma. E guardava as doçuras de um corpo rijo.

E ela disse que não. Mas no baile…

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor