Cinco milhões de adolescentes em todo o Mundo levaram no sobrolho, entre 1978 e 1993 com um livro chamado “Os Filhos da Droga”, escrito por uma alemã que se deixou cair nos vícios, prostituição, roubo e mais desgraças. O opúsculo era uma forma habitual de educar a Geração X e terá chegado à Geração Y, para estes um belo naco de prosa decadente e a cheirar a naftalina.
Os pais, à época, eram muito curiosos. Não sabiam falar com os filhos sobre os assuntos mais normais do mundo. Sexo, droga e rock&roll eram sempre reduzidos ao mesmo biombo: escondiam-se e atiravam por cima das canas de verga os livros que, pensavam, nos iriam educar pelas mãos de outros. Ora, se já ali estava tudo escrito, para quê falarem dos assuntos com a criançada ou os e as jovens que tinham em casa.
Se o assunto fosse sexo, havia dezenas de publicações muito pedagógicas. Umas explicações absolutamente horrendas sobre a penetração reduzindo tudo a algo científico-pudorento. Uma chatice absoluta que deu no que deu: púnhamos os volumes da Verbo de lado e íamos falar uns com os outros sobre a masturbação, acompanhando o caso com o enorme desconhecimento dos aprendizes. As obras de sexo não tinham absolutamente nada de interessante. As imagens eram de fugir: os corpos de uma mulher e um homem, cortados ao meio de cima abaixo, para mostrar o pénis a adentrar a vagina. Tudo muito colorido, atenção: não faltavam os intestinos, o fígado, os rins, os pulmões… Mas para que raio queríamos nós o fígado na ilustração de uma queca simples? Ah! E não havia movimento. Tal foi a coisa que quando nos caiu a virgindade, não fossem umas revistas malditas e uns VHS quase sem cor e cheios de grão, nunca teríamos sabido fazer nada. Se é que depois soubemos.
Mas a senhora Christiane F., e o seu “Filhos da Droga”, era ainda pior. De título original “Wir Kinder vom Bahnhof Zoo”, matracava o crânio, entre o terror e o interesse impulsivo daquela Berlim decadente. Uma viagem de um grupo de putos de 12 anos, e mais, ao ‘vertigo’ da dependência e do salve-se quem puder. Por deus, aquilo não era nada bom para a malta que tinha tendências maradas – e eram muitos. Estimulava até uma certa rebeldia e um “vais a ver se não aguento mais do que tu, ó Christiane!”.
O título em português, uma pessegada, como sempre, não tinha nada a ver com o original, que se pode traduzir como “Nós, as Crianças da Estação Zoo”. E, apertai o cinto, a Zoo Station é um lugar real, que se chama Berlin Zoologischer Garten station, uma gare ferroviária. Fica ao lado do Jardim Zoológico da cidade e, por isso, recebeu o apodo.
Teria sido, se calhar, menos apelativo. Mas os leitores que se arrastaram pela narrativa ao menos tinham percebido que esta obra iria dar uma belíssima música dos U2, anos depois, exactamente chamada “Zoo Station”, onde, com memória do livro, escreviam:
«Estou pronta
Estou pronta para os grilhões
Estou pronta
Para cair na rua
Estou pronta para a confusão
Pronto para ser dealer
Pronto para largar o volante
Estou pronta
Pronta para o choque frontal
Zoo Station
Zoo Station».
A obra dos U2 apareceu no álbum “Achtung Baby”, lançada em 1991 e que tirava partido do cenário de Berlim e da queda do muro da cidade.
Espero que, hoje, não haja pais com medo dos filhos, a calar-se perante o que deve ser falado e conversado. Para mais, a realidade é outra e os perigos mudaram. Quais são? Daqui a 30 anos os U2 dizem-nos quais, lá do lar onde estarão em Dublin.
Morra o “Filhos da Droga”, morra, PIM!