Entre linhas e entre parágrafos, o documento “Acusação Tutti Frutti” revela uma verdadeira odisseia de inquéritos, buscas e arquivos, onde se entrelaçam histórias de contractos públicos, supostos desvios e uma dança confusa de acusações em que nomes e sociedades bailam num emaranhado jurídico.
À primeira vista, o inquérito parece uma colecção de contos de fadas modernos – mas, em vez de fadas madrinhas, encontramos boys partidários, promessas de “cenários de arrumação de papéis” e investigações que atravessam as freguesias de Santo António, Estrela, Areeiro e Benfica, passando por Esposende e Faro, numa grande orquestra de alegações sobre corrupção, prevaricação e branqueamento. Documentos, depoimentos, intercepções telefónicas e buscas em computadores desenham o retrato de uma máquina administrativa que, entre ajustes directos e avenças, parece mais dedicada a um “jogo de esconde-esconde” financeiro do que a zelar pelo interesse público.
Contudo, se se pensasse que o episódio se encerrava aí, convida-nos porém a tomar como realidade a existência de episódios ainda mais surreais. Imaginemos, por um momento, um cenário alternativo – uma comédia de erros político-partidária onde o PS e o PSD se encontram num salão de festas, não para debater políticas, mas para trocar favores tão absurdos como as suas próprias narrativas. Eis a proposta: numa manhã de sol, os líderes dos dois partidos acordam com a ideia genial de “troca de convites” para os seus respectivos almoços de gabinete. O PS, com o seu gosto refinado, oferece ao PSD um menu de pastéis de nata feitos com a receita secreta dos bolos da Assembleia, enquanto o PSD promete um desconto especial na compra de tascas e café – afinal, quem não quer negociar entre uma bica e outra?
E porque não ir mais longe? Imaginemos um esquema de “swap de assinaturas”: o PS cede a assinatura de um jornal político “exclusivo” (com edição limitada e capa personalizável, claro) ao PSD, e este, em troca, entrega uma caneta dourada – símbolo de poder – para que os decisores possam “assinar” os contractos publicitários dos próximos projectos de urbanização, vinda da lei dos solos. Num acto de genialidade, desconfia-se ainda que ambos os partidos lancem uma linha de merchandising: camisolas “Unidos pela Troca de Favores”, onde o lado esquerdo ostenta um símbolo do PS e o lado direito, o do PSD, numa aliança tão improvável quanto digna.
Para coroar esta ópera de abusos, sugere-se que as reuniões oficiais sejam realizadas num local neutro – por exemplo, num campo de minigolfe – onde cada buraco representa um “favorecimento” a ser atingido com precisão. Assim, num cenário que mais se assemelha a uma peça de LaFéria, o intercâmbio de favores transforma-se num espectáculo que, por mais inverosímil que seja, convida a todos a questionar: será que, no fim, a verdadeira justiça não reside na criatividade dos acordos e no humor daqueles que conseguem rir, mesmo quando o assunto é este?
E, sabemos nós, por cá, que ainda a festa vai a meio. A Judiciária tem para lá papéis, escutas, computadores e uma pilha de telemóveis que nunca mais acaba. O que dá folga a alguns meliantes a concorrer ainda às próximas autárquicas. E pensarmos nós que ainda a semana passada andava o acusado Luís Newton a querer ser candidato n’outra freguesia, pois chegou ao fim dos mandatos possíveis na junta da Estrela. Desta vez, pode ser que mandem fora os boys com a água do banho acusatório.
Amanhã, sem falta, falaremos do único candidato de Esquerda que pode vencer a corrida a Belém: António José Martins Seguro.
