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Eventos Cisne Negro

Nassim Taleb, matemático, professor e autor americano de origem libanesa, propôs em 2007 a “teoria do cisne negro” para designar e explicar os fenómenos de natureza económica (e não só) cujas consequências poderão ser “catastróficas”, requerendo – por essa razão e sempre que possível – a pré-existência de um plano para lidar com os mesmos. “Cisne negro” (ou ‘outlier’, em linguagem estatística) representa, portanto, uma metáfora para algo estranho e imprevisível, mas possível.

São três as componentes de um evento com estas caraterísticas:

1- Ser algo atípico e não expectável;

2- Ter um impacto extremo;

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3- Ser explicável e previsível à posteriori.

A designação “cisne negro” tem a sua origem na descoberta destas aves pelo capitão holandês Willem de Vlamingh enquanto navegava, em 1697, nas águas de um rio desconhecido no sudoeste da Austrália Ocidental, a que deu o nome de Zwaanenrivier (Rio dos Cisnes, em holandês). Tratava-se de um acontecimento inesperado e novo, pois, até então, só eram conhecidos cisnes brancos, embora o poeta romano Décimo Júnio Juvenal (60-128) já tivesse feito referência ao termo “cisne negro” para significar “raridade”.

Cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, trabalham atualmente para tentar prever o imprevisível, antecipando-se aos “cisnes negros” em qualquer realidade. Segundo o Professor Samuel Bray, “as flutuações que ocorrem em diferentes espécies biológicas são estatisticamente iguais em diferentes ecossistemas, existindo processos universais que podemos utilizar para prever esse tipo de comportamentos extremos”. Para tal, os cientistas estão a testar a teoria física por trás de avalanchas e terramotos, fenómenos caraterizados por um comportamento extremo, repentino e de curto prazo.

Trata-se, concretamente, de acrescentar àquilo que já é conhecido do passado e que tem sido usado para fazer previsões (relacionado com uma parte da realidade), informação nova sobre fenómenos que nunca ocorreram (ou cuja ocorrência se desconhece) e que podem permitir fazer previsões mais complexas e abrangentes. Essa informação nova tanto pode resultar de uma melhor conhecimento da realidade (mais alargado, aprofundado e detalhado), como de um exercício especulativo e hipotético que possibilite a introdução de novas variáveis na equação.

Quer no caso das avalanchas e terramotos registados, quer no caso do ataque terrorista às Torres Gémeas em 11 de setembro de 2001 ou da invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, as ocorrências inesperadas e impactantes que apanharam o mundo de surpresa e espanto, foram precedidas de inúmeros sinais (diretos e indiretos) ou pistas que, por uma razão ou por outra, passaram despercebidos ou foram incompreendidos, ignorados ou desvalorizados pelos observadores ou autoridades responsáveis (Frank Hoffman designa-os por “flamingos-cor-de-rosa”).

No entanto, é pouco provável que TODOS tenham ignorado essa pistas. A história mostra que, quase sempre, houve quem notasse, quem soubesse, quem opinasse ou quem alertasse, mas não lhe/s foi dado ouvidos, provavelmente porque suava a absurdo ou a impossível. A conclusão óbvia aponta para

a indispensabilidade da escuta ativa e do genuíno trabalho em equipa – praticando uma racionalidade imposta pela disciplina e pelo método (p.e. o do “Advogado do Diabo”) – evitando o centralismo, o culto da personalidade e a liderança de um homem só.

Na área política, os eventos “cisne negro”, apesar de raros e inopinados, verificam-se com frequência suficiente para nos lembrarmos deles. Desde logo, quando ocorrem resultados eleitorais absolutamente inesperados que viram do avesso, de um momento para o outro, o ‘establishment’ ou ‘statu quo’ de um país ou comunidade. Mas, também, quando são descobertos atos ilegais ou cometidas falhas éticas graves, as quais originam mudanças políticas significativas e inesperadas. E, finalmente, quando se produzem acontecimentos suficientemente importantes para pôr em causa pessoas, modelos ou instituições.

Tudo quanto atrás foi dito, teve implícita a ideia de que os eventos “cisne negro” ocorrem por mero acaso ou geração espontânea, i.e., os sinais da sua possível ocorrência não são atempadamente detetados, mas também não são intencionalmente provocados por alguém. Todavia, já todos ouviram falar da “criação de factos políticos”, de que algumas figuras públicas bem conhecidas parecem ser especiais protagonistas.

Estaremos então, aqui, perante “cisnes negros” domesticados e treinados para gerarem impactos e produzirem efeitos desejados. Impactos e efeitos, por defeito, supostamente negativos, embora devamos ter em conta que também existem – ou podem existir – os positivos (também “negros” ou com outra “plumagem rara”), vistos como oportunidades e fatores de sorte, para os quais é necessário estar, igualmente, preparado (neste caso, para agarrar e aproveitar).

Diz-se que Décimo Juvenal procurou desesperadamente encontrar uma esposa com todas as “qualidades certas” da época, escrevendo em latim que ela seria uma “rara avis in terris, nigroque simillima cygno” (ave rara nestas terras, como um cisne negro). Não sabemos se a encontrou, mas sabemos que esteve muito atento e talvez a tenha, até, procurado. Façamos o mesmo com os “cisnes negros” (ou com outra “plumagem rara”): antecipemo-los – ou criemo-los – para os prevenir ou aproveitar.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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