Há uma espécie em vias de extinção a vaguear pelas ruas de Lisboa, Porto e outras cidades que ainda resistem ao aplanamento cultural: os últimos dinossauros da Geração X (nascidos entre 1965 e 1980). Reconhecem-se facilmente. Têm um ar ligeiramente deslocado, como se tivessem acabado de sair de uma reunião editorial de 1995 e se tivessem perdido no caminho para 2025. Carregam consigo um portátil antigo (sim, ainda lhe chamam assim, com o desprezo colonialista de quem recusa notebook), um maço de tabaco meio-esmagado e um ressentimento que já atingiu a maioridade.
Estes indivíduos — especialmente jornalistas, ‘designers’, escritores, músicos, pintores, enfim, criativos de mérito — foram varridos para as margens do mercado de trabalho por uma onda de ‘gestores de conteúdos’, influencers e outros curtidores profissionais de ‘gostos’. A tragédia daqueles? Terem acreditado que o rigor, a ética e o brio profissional lhes garantiriam um lugar ao sol. Enganaram-se. O sol, afinal, estava reservado para os ‘trabalhadores flexíveis’, os ‘team players’ e os ‘pensadores de baixo custo’ que aceitam ser pagos em exposição e ‘oportunidades’ de crescimento.
O Museu dos Anacrónicos
Imaginemos, por um momento, um museu dedicado a esta espécie moribunda. Na secção “Como Sobreviveram Até 2010”, encontramos artefactos comoventes: máquinas de escrever eléctricas, CD-Roms de enciclopédias, recortes de jornais com colunas de opinião que alguém ainda lia. Na ala “Adaptação ao Meio Hostil”, vemos exemplares da Geração X a tentar explicar a um millennial porque é que Ctrl+C, Ctrl+V não é pesquisa. O millennial sorri, condescendente, e volta ao seu ‘scroll’ infinito.
Os estudos — todos rigorosamente inventados — confirmam a tendência. Segundo o Instituto de Pesquisas Obviamente Falsas, 87% dos Gen Xers ainda acreditam que um correio eletrónico bem escrito pode mudar o mundo. Enquanto isso, 92% dos Gen Z (1997 a 2012) acham que “hehe” é uma resposta perfeitamente válida a uma comunicação no trabalho.
A Grande Substituição (Criativa)
Não foi uma conspiração. Foi pior: foi uma opção de mercado. As empresas descobriram que é mais barato contratar três estagiários a ganhar 600 euros líquidos do que um profissional com 20 anos de experiência a pedir 2000. O resultado? Redacções transformadas em viveiros de telefonistas “licenciados” em ciências da comunicação, agências de publicidade a produzir “conteúdos” que nem o algoritmo do Instagram consegue amar…
Enquanto isso, uma legião de ex-profissionais anda agora a vender seguros ou a fazer biscates para sacar uns euros que lhes permita, aos 57, ter água quente em casa e pagar a Digi. Os millennials não têm culpa. Foram treinados para a submissão. Aprenderam que “opinião forte” é cancelável, que “rigor” é elitista e que “ética profissional” é coisa de quem viu o Carlos Lopes em directo. A Geração X, ébria de noz-de-cola e ilusões, resistiu até onde pôde. Agora, resta-lhes o consolo amargo de saber que, quando o último copywriter for substituído por uma AI, pelo menos já não será problema deles.
O Último Café?
Há, no entanto, um detalhe irónico nesta narrativa. Enquanto os dinossauros são empurrados para a extinção, os novos senhores do universo digital começam a dar-se conta de um facto inconveniente: sem conteúdo de qualidade, não há engajamento que resista. E, pasme-se, conteúdo de qualidade não se faz com modelos pré-feitos, algoritmos ou ‘reuniões criativas’ de 15 minutos na Internet.
Talvez, num futuro próximo, alguém se lembre de que havia, afinal, valor
Naqueles ora quase velhos, que insistiram em fazer as coisas bem feitas. Até lá, os últimos dinossauros continuarão a vaguear pelas ruas, entre cafés e o part-time no call-centre, esperando — quem sabe? — pelo dia em que a moda do baixo custo passe de moda. É que estes tipos são tramados e tramadas. Estão sempre a preparar uma coisa nova para enfiar o pauzinho na engrenagem. Ainda fazem música e escrevem e fumam e bebem e dizem o que pensam — já nada têm a perder. Cuidado com eles.