A Tuna Macaense, grupo fundado em 1935 por José dos Santos Ferreira, Adé, poeta de Macau e grande defensor do patuá macaense, língua crioula da região que inclui termos portugueses, chineses e indianos, continua a ser um dos arautos da identidade cultural macaense.
Tunas houve muitas, entre os anos 30 e fins de 40, já que nem o período da guerra tirou aos macaenses o gosto pelo convívio e pela folia. Escreve Henrique Senna Fernandes em 1992, talvez o escritor que melhor retrata Macau.
As “tunas” ou grupos de músicos esfalfavam-se nos bandolins, nas violas e violinos, nos eukaliles e outros instrumentos, em marchas e valsas, entre risadas e brincadeiras carnavalescas. Antes de chegarem à casa que iam “assaltar”, percorriam as ruas tortuosas e estreitas da velha “cidade crista”, passando obrigatoriamente pela Praia Grande, com dezenas de mascarados atrás, em cauda, desfolhando brejeirices, com grande espanto de circunspectos chineses que não tomavam parte e, no íntimo censuravam aquele cortejo de loucos, próprio da “gente bárbara”.
O tempo foi passando, Macau esteve ocupada pelos japoneses durante a guerra, nos anos 60 e 70 os jovens começam a ser atraídos pelos sons modernos do Rock, mas em 1990 a Tuna ganha nova vida com a entrada de Filomeno Jorge, que os amigos alcunharam de Russo, adaptando o som do grupo às alterações históricas que foram acontecendo até 1999, com a transferência de soberania de Macau para China.
Se antes da transferência a actividade da Tuna era limitada a convites pontuais feitos por parte do então governo luso, com a entrada do novo século a Tuna assumiu como missão divulgar e preservar as tradições da comunidade macaense. Se no passado tocavam essencialmente temas instrumentais que misturavam os sons de bandolins, violas e cavaquinhos, actualmente acresce à sonoridade uma preocupação com a composição das letras, essencialmente em Patuá mas também em Cantonês e mesmo Mandarim, o que foi de encontro aos desejos do público.
É um “cantar Macau”, em que as palavras e as sonoridades pretendem transportar para os palcos as ruas de Macau, as suas pessoas, o património e a história da terra de modo a conservar as memórias. Russo e seu irmão Victor Jorge receberam por sangue a musicalidade de Camilo Pessanha (no poema “Chorai Arcadas” sugere-se a vibração das cordas do violoncelo…) e absorveram o amor à tradição macaense de Adé (“Poema na língu maquista”).
Trineto do autor da Clepsydra, Filomeno Jorge incorporou letras de Adé e Camilo Pessanha nas suas composições, sendo sua intenção escrever uma tema sobre o poeta, expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa. Quando a Tuna atua em outros lugares da China ou em qualquer parte do mundo, essas raizes estão sempre presentes!
Macau não pode ser “apenas mais uma cidade chinesa”, tem de preservar a sua identidade, e a Tuna Macaense, conjuntamente com a companhia de teatro Doci Papiacam di Macau, são organismos culturais que melhor assumiram esse objetivo. Também a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, a ADM Associação dos Macaenses, a Associação dos Jovens Macaenses e o Instituto Cultural de Macau procuram defender os interesses da comunidade macaense.
Desde o lançamento duma “cassete” em 1983, entre 1994 e 2023 a Tuna Macaense gravou 6 álbuns em CD: Macau Sa Assi, Titi Bita Di Lilau, Jardim Abencoado, Macau Património Mundial, Tuna Macaense 80 Anos, Doci Papiacam Patois Nhonha Na Janela Macau. No corrente ano de 2024 será editado o sétimo trabalho.
No ano 2023 avançaram com a Tuna Junior, Russo e outros membros da Tuna Macaense e a editora “Chessman” ensinam jovens alunos do Instituto Politécnico de Macau a tocar piano, bandolin, violas e percuções, com o apoio do Instituto Cultural de Macau.
“Eu não quero que a Tuna chegue aos 150 anos. Eu quero que a Tuna seja eterna e continue no futuro pela mão de novas gerações”, afirmou Russo ao jornal Ponto Final.
A lusofonia continua viva em Macau!