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100 anos, Pacheco

Ninguém conhece o Luiz Pacheco e, por esta hora, já não vão a tempo. Morreu. De velho, das 23 doenças que tinha (ou dizia ter), mais a incontinência, mais uma quantidade de meninas e, sabe-se lá, a queda da cama.

O Pacheco era um chato, um boçal, uma diva sem dentes. Um podre, um encanado. Andava às esmiuças, a ver se um conto aqui, três contos acolá. Mandava toda a gente à merda se, à terceira frase, aquilo fosse um rol de baboseiras e citações de mau romance. Pior: não tinha pachorra, mas guardava tempo para apalpar o rabo (ele diria cu) das gajas do lar de Palmela, onde acabou por ir dar cabo dos cornos a toda a gente. «Tenho para aí umas revistas pornográficas que valem mais do que essa merda dos jornais», disse uma vez, com certeza, a ver se a conversa acabava.

O Pacheco nasceu faz este ano cem. Desconfio que a homenagem vai ser uma mensagem no ‘tuita’ de um amigo que se lembre. “Quando falamos de vinho é tinto”; sentenciava, e nem que lhe viesse uma rameira de deus mudava de opinião. Era assim porque era assim. Burguês ao nascer, acabou em quartos mal arrendados a dormir com a catrefada de filhos que fez às meninas mai novas. Está nas primeiras páginas do «Comunidade» a dança do colchão, a magnífica distribuição dos corpos por debaixo das cobertas, os membros como explodidos se vistos de algures.

Toda a gente vai cagar no Pacheco. O chato. O pedinte. O surrealista e que publicava gravatinhas para ganhar tusto. «Acabei por vender a editora à irmã do Manuel Alegre por uma merda», e ficou sem editora. Foi fiscal dos espectáculos. Chateou-se ao fim de ano e coisa, pegou no casaco e foi à vida dele, que aquela era de outro.

Ao Pacheco, nem a ministra da cultura, nem o coiso, nem o outro lhe vão ligar. Ele não havia de querer imbecis metidos nas cousas que fazia, mesmo depois de morto. Andou ao colo com os surrealistas e até foi amigo de António Maria Lisboa e de Mário Cesariny. Mas com este zangou-se de zangar. Nos anos 80 fez-se militante do PCP. «Para ter um funeral igual ao do Ary». Calhou-lhe outra coisa. O Ary era da Avenida de Roma, ele de S. Sebastião da Pedreira. São ruas, pois parecem, mas não são. Até na hora do esquife a rua manda.

Morreu no Montijo, ontem de 2008. “Doença Súbita” lia-se na folha.

O Luiz Pacheco não era o maior. Era o único. Era amável e intragável. Uma besta e um senhor. Um andrajoso antes de falar. Um andrajoso quando falava. Mas quando se lia, quem escreve ou escrevia faz vénia e penitência. Já que ninguém se lembrará dele, adeus Pacheco. Sim, mandámo-nos à merda duas vezes. Eu era um puto, merecia.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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