Na China, incluindo Macau e Hong Kong, as telenovelas são histórias de artes marciais, vividas intensamente por idosas enquanto cozinham em casa ou no restaurante, ou por famílias ou clientes que comentam enquanto massajam o pé descalço. Na maior parte dos casos são cenas cansativas, onde sons metálicos e gongues comentam saltos mortais que atravessam paredes e voam, fugindo ou perseguindo o adversário. É um género lendário de cinema asiático, mas onde as produções são tradicionalmente simplistas e repetitivas, denominado Wuxia e muito comuns nos estúdios de Hong Kong e Taiwan.
Em Macau, na zona dos chamados Tin Tins, designação dada aos chineses que vendiam velharias e uma ou outra antiguidade, lá para os lados do Porto interior, era fascinante deambular nessas lojas, escuras e compridas, onde tudo podia acontecer. Também aí o vendedor, sempre com olhar desinteressado onde mexíamos e remexíamos – ou tentávamos descortinar o que se escondia no amontoado bricabraque – olhava para a televisão admirando os golpes e contra golpes ou estranhas e mascaradas cenas de ópera chinesa, sempre ruidosa e dissonante.
Tin Tins porque batiam incessantemente um prego num pedaço de ferro, servindo o barulho para chamar a atenção da interessada clientela, enquanto puxava um rickshaw transformado em veículo de carga, nas suas frequentes voltas pelas ruas da cidade.
Esse personagem e esses lugares mágicos praticamente desapareceram… embora um meu amigo e companheiro de aventuras ainda conheça um lugar secreto, onde o deslumbramento se mantém quase intacto…
Hoje falar em Tintim – dingding, em mandarim – é lembrar os seus livros, sobretudo “O Lótus Azul”, a mais conhecida aventura desse herói na China. Nele, como sabemos, é-nos apresentado um jovem chinês, estudante da Academia de Belas Artes de Bruxelas, e cuja história e amizade com Hergé se tornou lendária.
Mas vamos ao “Crouching Tiger, Hidden Dragon”.
Em 2000 Ang Lee, ator, produtor e cineasta de Taiwan a viver nos EUA e admirador de mestre King Hu – primeiro realizador chinês a ganhar um prémio em Cannes com “A Touch of Zen” em 1971 – realizou “O Tigre e o Dragão”, assim introduzindo o wuxia ao público ocidental, elevou artes marciais, fantasia e histórias heroicas da China antiga a um nível sumptuoso. O realizador adiciona à acção do “kung-fu” uma componente dramática e sentimental, transformando este filme numa fábula sumptuosa e mágica, que nos transporta a um mundo quase onírico.
O filme recebeu o Globo de Ouro na categoria de melhor filme e Ang Lee foi premiado como melhor realizador. Nos Óscares, o filme que contou com dez nomeações, incluindo a de melhor filme, foi galardoado nas categorias de melhor filme estrangeiro, direcção artística, fotografia e banda sonora original.
Há poucos dias revi este filme, e de novo entrei numa viagem que me levou para mundos onde as lutas de espadachins são danças que atravessam florestas e se perdem em brumas eternas, num bailado suave e violento, onde beleza e harmonia se completam. Também revivi a aridez escaldante das areias do Gobi dourado e negro, onde acontecem belas imagens de um amor trágico.
Está no FILMIN, streaming onde se podem rever vários clássicos como Taxi Driver, Lola ou Easy Rider.