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A Liberdade de Imprensa Não se Vasculha

Nota do Editor:

A proposta de um deputado do PSD para aceder ao registo telefónico de um jornalista do Expresso levantou sérias preocupações no que toca à liberdade de imprensa e ao respeito pelos direitos fundamentais em democracia. Em nome próprio, o autor deste artigo expressa a sua posição sobre os riscos que esta postura representa para o Estado de Direito e o papel dos media numa sociedade plural e livre.

A Liberdade de Imprensa Não se Vasculha
A recente proposta do deputado Hugo Miguel de Sousa Carneiro, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, no sentido de aceder ao registo telefónico de um jornalista do Expresso, representa um episódio grave que ultrapassa os limites do aceitável em democracia. Independentemente do contexto político ou da pressão da campanha eleitoral, não é admissível que um deputado à Assembleia da República – lugar por excelência da defesa das liberdades – sugira medidas que violam frontalmente o direito ao sigilo das fontes e comprometem o exercício livre do jornalismo.

A liberdade de imprensa não é um tema lateral nem um privilégio dos profissionais da comunicação. É, sim, uma das garantias fundamentais de qualquer sociedade democrática, reconhecida pela Constituição da República Portuguesa e pelos principais instrumentos internacionais de direitos humanos. Atentá-la é enfraquecer a democracia. Sugerir que a Polícia Judiciária possa ser utilizada para devassar a actividade de um jornalista, a pretexto de uma investigação ou suspeita de fuga de informação, é um passo demasiado perigoso num país que já conheceu os efeitos nefastos da censura e da repressão informativa.

A gravidade deste episódio exige uma resposta institucional clara e inequívoca. A Assembleia da República e a sua Presidência não podem manter-se em silêncio. É urgente reafirmar, perante o país, que não há democracia sem liberdade de imprensa, nem Parlamento digno desse nome se os seus membros confundem fiscalização com perseguição, e segurança com controlo informativo.

Este caso, no entanto, não se esgota num gesto isolado. Inscreve-se numa tendência mais ampla de degradação do debate político, onde o ruído substitui o argumento e a beligerância é transformada em método. Há, por parte de alguns sectores políticos, uma normalização preocupante de práticas e discursos que até há poucos anos se considerariam inaceitáveis. O recurso ao medo, à desinformação, e ao discurso divisionista tem vindo a crescer – e o espaço público está a pagar o preço.

Num contexto em que a extrema-direita molda a agenda mediática mesmo sem estar no poder, é fundamental que os partidos democráticos não cedam à tentação de imitar as suas estratégias. A instrumentalização de temas sensíveis, como a imigração, em nome de ganhos eleitorais imediatos, acentua divisões sociais e fragiliza o tecido democrático. Portugal não pode transformar-se num palco onde o populismo se disfarça de alternativa credível, à custa dos direitos fundamentais.

Importa lembrar que a democracia portuguesa é fruto de conquistas que custaram demasiado para serem postas em causa com leviandade. Se os representantes eleitos desconhecem ou desrespeitam os princípios que juraram defender, é a própria legitimidade das instituições que fica em causa.

Não se pode permitir que se abra esta porta. O registo telefónico de um jornalista não é um dossiê político. É um limite inviolável. Em democracia, o jornalismo livre não se vigia. Protege-se.

Fernando Jesus Pires é jornalista e Diretor do jornal online ORegiões.

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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

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