O Presidente da República voltou a desvalorizar a tentativa de André Ventura de apresentar uma queixa com vista à sua destituição e o PS adverte que o Chega está a cometer crime de difamação agravada ao Presidente da República. Para diferentes analistas, a acusação de “traição à pátria” é um “disparate que André Ventura inventou para passarmos dois dias a falar dele”. É mais um “tiro no pé” do Chega. Na votação, a iniciativa do Chega foi reprovada por todas as restantes forças políticas representadas na Comissão de Assuntos Constitucionais: PSD, PS, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN.
Já tinha dito que é a “democracia” a funcionar, agora diz que é a “liberdade de expressão: o Presidente da República continua a desvalorizar a acusação de ”traição à Pátria” que lhe é feita pelo Chega, partido que apresentou uma iniciativa de processo judicial ao chefe de Estado.
Confrontado esta quarta-feira com os desenvolvimentos do processo no Parlamento, Marcelo voltou a enquadrar a iniciativa do Chega como característica do funcionamento das democracias. E ressalvou que “a liberdade de expressão é uma das características das democracias” e disso beneficiam não só os cidadãos comuns, como também os titulares de cargos públicos. Ou seja: Marcelo acha que se limitou a usar do direito que tem à liberdade de expressão quando, num jantar com correspondentes estrangeiros em Lisboa, defendeu a possibilidade de Portugal fazer “reparações históricas” aos países que colonizou.
O Presidente da República falava aos jornalistas no CBB, depois do lançamento do livro “O ano zero da nova Europa” (edições Tinta da China), da autoria de Bernardo Pires de Lima, seu adjunto em Belém e analista de política internacional, e cuja apresentação esteve a cargo do ex-primeiro-ministro António Costa.
Contundente, a deputada socialista Isabel Moreira acusou o Chega de agir conscientemente contra a honorabilidade do Presidente da República ao acusá-lo de traição à pátria, advertindo que pode estar em causa difamação agravada ao chefe de Estado.
Esta posição foi transmitida por Isabel Moreira na Comissão de Assuntos Constitucionais – e foi depois também realçada pelo deputado do PCP António Filipe -, antes de ter sido rejeitado por larga maioria o projeto de voto de resolução do Chega de condenação às palavras proferidas Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre alegada reparação às antigas colónias pelo passado histórico de Portugal.
Para juristas e analistas políticos a acusação do Chega não tem fundamentos e, como diz José Miguel Júdice, a acusação de “traição à pátria” é um “disparate que André Ventura inventou para passarmos dois dias a falar dele”, recordando que o líder do Chega se licenciou em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, com dezanove valores. Em 2013, defendeu a tese de doutoramento em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Cork, na Irlanda, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, tendo criticado, ao contrário do que hoje defende, o “populismo penal” e “estigmatização de minorias”, revelando preocupações com a “expansão dos poderes policiais”.
Dada a sua formação jurídica, juristas e analistas só podem entender esta posição de Ventura como “ânsia de aparecer” nas televisões, apesar de saber da ‘inexistência jurídica’, que “consiste num valor negativo de um ato jurídico público traduzido na total inaptidão do mesmo ato para produzir quaisquer efeitos jurídicos, pelo facto de lhe faltarem os requisitos mais elementares de identificação e de imputação à vontade de um órgão público”.
Acção mediática
Aliás, segundo Paulo Saragoça da Matta, é “completamente impossível” que tenha sucesso uma ação criminal contra o Presidente da república com o fundamento de traição à pátria.
O especialista em Direito Penal explicou, à Rádio Renascença, que não acha credível que algum procurador dê seguimento a uma ação que o Chega tem anunciado que está a ponderar.
“Não está preenchido o crime de traição à pátria. O Presidente da República não ofereceu parte do território nacional ou independentizar parte do território, não tentou entregar a soberania a outro Estado”, explica o especialista em Direito Penal.
O Chega, recorde-se, revelou na Assembleia da República, que entregará nas próximas horas a iniciativa para o processo ao Presidente. Enquanto isso, na comissão de Assuntos Constitucionais, a deputada socialista Isabel Moreira acusou o Chega de agir conscientemente contra a honorabilidade do Presidente da República ao acusá-lo de traição à pátria. A mesma posição foi também defendida pelo deputado do PCP António Filipe -, antes de ter sido rejeitado por larga maioria o projeto de voto de resolução do Chega de condenação das palavras proferidas Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre alegada reparação às antigas colónias pelo passado histórico de Portugal.
Na votação, a iniciativa do Chega foi reprovada por todas as restantes forças políticas representadas na Comissão de Assuntos Constitucionais: PSD, PS, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN. Isabel Moreira defendeu que esta iniciativa, se não fosse um projeto de voto, nem teria sido admitida a discussão, já que o órgão Assembleia da República não pode condenar a Presidência da República. “Há separação de poderes, mas o Chega finge que não sabe isso. Está apenas na jogatana política”, atacou. Mas a constitucionalista foi mais longe: “O Chega age conscientemente contra a honorabilidade do Presidente da República”, o que configura algo de “altamente difamatório e até de forma gravosa”.
Pela parte do Chega, Rodrigo Taxa defendeu que “Portugal é um construtor de nações” e que o Presidente da República “ignorou os retornados do ultramar e os antigos combatentes”. Logo a seguir, ouviu a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua dizer-lhe que “traição à pátria é uma coisa muito séria para um partido como o Chega estar a brincar com ela só para fazer guerrilha política ao Presidente da República”.
O que é crime de traição à pátria?
Segundo constitucionalistas, André Ventura “sabe muito bem” e, por isso, não conseguem entender o “que pretende”, porque o crime de traição à pátria só se aplica a um titular de cargo político que “com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, tentar separar da Mãe-Pátria, ou entregar a país estrangeiro.
É também crime “submeter a soberania estrangeira, o todo ou uma parte do território português, ofender ou puser em perigo a independência do País”.
A punição por este crime é de uma pena de prisão entre dez a quinze anos.