Mais uma vez, pelo segundo ano consecutivo, as comemorações do 114º aniversário do 5 de Outubro, data da implantação da República a partir da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, o povo lisboeta foi afastado das comemorações oficiais no Terreiro do Paço, provavelmente , por receio de manifestações, apesar de todos os políticos considerarem que o 5 de Outubro, assim como o 25 de Abril ”pertencerem ao povo” e afirmarem que “as manifestações são normais em democracia”.
Celebrou-se o 5 de outubro, Dia da Implementação da República, realizada em 1910 nas varandas da Câmara Municipal de Lisboa, um momento-chave da alteração da monarquia constitucional para o regime republicano, longe da população que foi proibida de ir ao Terreiro do Paço.
Porém – e apesar de a evolução da República ter enraizado a participação da sociedade, sobretudo após o 25 de abril de 1974 –, hoje, dia 5 de outubro de 2024, na tradicional sessão solene ocorrida na Praça do Município em Lisboa, a população foi afastada das comemorações – só ‘a nata’ das classes política, juridica, económica, religiosas e militar tiverem direito a convite, o povo foi afastado literalmente do local onde ocorreram as celebrações.
O afastamento físico da população lisboeta reflecte uma República fechada, bem como o afastamento dos políticos perante as dificuldades que a própria sociedade portuguesa tem sentido, esquecendo que a implantação da República Portuguesa foi o resultado de uma revolução popular organizada pelo Partido Republicano Português, iniciada no dia 2 de outubro e vitoriosa na madrugada do dia 5 de outubro de 1910, que destituiu a monarquia constitucional e implantou um regime republicano em Portugal, assente nos princípios da igualdade, da liberdade – direitos democráticos fundamentais.
Da mesma varanda da Câmara Municipal de Lisboa em que José Relvas proclamou a República na manhã do dia 5 de Outubro de 1910, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e Carlos Moedas, presidente da autarquia lisboeta, fizeram questão de afirmar, para meia dúzia de eleitos, entre eles o primeiro-ministro e o presidente da Assembleia da República: “O 5 de outubro está vivo porque a República está viva e a democracia está viva”…
República está viva
Assim ,na tradicional sessão solene na Praça do Município, em Lisboa, o Presidente da República não se coibiu de dizer que a “República e a democracia resistiram a crises financeiras e económica” e que também “assistiram a partidos e forças sociais subirem e descerem, ao surgimento de outras década após década e às vezes a adaptação das originárias”.
“Numa palavra, com 114 anos a República e 50 anos a democracia, com anos amiúde atribulados para uma e para outra, o certo é que estão vivas”, conclui. E acrescenta: “O mundo mudou, Portugal mudou. A democracia está viva, não é perfeita nem acabada, longe disso”.
Marcelo Rebelo de Sousa, que foi dizendo estas coisas longe dos ouvidos dos populares, que não foram convidados para participar nas comemorações, sublinhou ainda que República e democracia “estão vivas, mas sabem que têm de mudar e muito: nos 2 milhões de pobres, nas desigualdades entre pessoas e territórios, no combate à corrupção, no envelhecimento coletivo e também de tantos sistemas sociais, na insuficiência do saber, da educação, do crescimento, constantes essas graves que não conseguimos alterar em 50 anos de Abril”.
Sublinhou também que a República e a democracia sabem que “viver com liberdade é melhor que viver com repressão”, que “pluralismo é melhor do que viver com verdade única”, que “tolerância e pluralismo é muito melhor do que aversão ao diferente e fechamento”.
Moedas fala de democracia…
Carlos Moedas, que fez questão de omitir o facto dos populares terem sido afastados da cerimónia, louvou os princípios elementares da revolução republicana, salientando: “Quis a sorte ou a providência que estes 114 anos de República se encontrassem com uma feliz coincidência. Que coincidissem com os 50 anos de Abril. Com um momento em que o dia inteiro e limpo cobriu esta cidade, e daqui se espalhou por todo o país”.
“Mas estes 114 anos coincidem ainda com outro momento. Com os 500 anos do nascimento de Luís de Camões. Do nascimento do poeta da Nação, sua consciência mais íntima e sua expressão mais autêntica. Parece por vezes que este marco passou despercebido. Que escapou à memória de parte da classe política que teria o dever de o lembrar”, recordou, esquecendo que o poeta era um homem que convivia com o povo.
Virando o discurso para uma perspetiva mais política, nomeadamente o impasse com o Orçamento de Estado para 2025 referiu que: “O país não pode ficar refém de ansiedades pessoais e partidárias”.
“Quantas vezes na nossa história nos desviamos do caminho porque foram preferidas vaidades pessoais e interesses partidários em vez do bem-comum ou do interesse nacional? Hoje, quando se fala de bloqueios e de travar medidas essenciais para o futuro do país, devemos ser claros: o país não pode parar. O país não pode ficar refém de ansiedades pessoais e partidárias. É o estado do país e não os estados de alma que devem guiar os líderes políticos”, disse.
… e de dramas humanitários
Transferindo as preocupações para Lisboa, dedica parte do discurso à imigração e anuncia que os serviços da autarquia conseguiram encontrar alojamento para todas as pessoas em situação de sem abrigo concentradas junto à Igreja dos Anjos.
Isto depois de denunciar: “Hoje assistimos a manifestações de um drama humanitário que nos envergonha a todos como país. Nós precisamos de imigração, mas não podemos aceitar uma política de portas escancaradas que conduz à desordem, dá espaço a redes criminosas e multiplica casos de escravatura moderna”.
“Esta irresponsabilidade aumenta a desconfiança na nossa sociedade e alimenta os extremismos de um lado e de outro. Precisamos de uma política de imigração que valoriza e traz dignidade a quem chega ao nosso país. Queremos acolher, mas também esperamos de quem vem que se saiba e queira integrar. Que respeite a nossa cultura aberta e os nossos valores europeus”, sublinhou.
Fraca resposta do Estado
Terminou o discurso tocando no tema da segurança: “Hoje temos a oportunidade de fazer mais e melhor pela segurança das pessoas. Foi também uma sensação de insegurança e de impunidade que fez ruir a jovem República portuguesa. Temos por isso de levar a sério aqueles que sentem uma certa impunidade nas ruas e uma fraca resposta do Estado”.
“É preciso dizê-lo: não queremos um Estado omnipotente, que tudo pretende fazer; mas queremos um Estado com autoridade para fazer cumprir a lei. Hoje temos a oportunidade de devolver ao Estado a capacidade de atuar. De lhe devolver a autoridade que parece desbaratada aos olhos de tantos. Lisboa e Portugal têm na segurança o seu maior ativo – e não o podemos perder. Por isso é que pedi ao anterior Governo, e volto a fazê-lo agora, mais 200 agentes para a Polícia Municipal de Lisboa”, sublinha.
Pedro Nuno Santos não participou
A minutos do arranque da cerimónia soubesse que o Secretário-Geral do Partido Socialista (PS) Pedro Nuno Santos não iria marcar presença no evento, por – segundo algumas fontes socialistas – ”não concordar com o afastamento da população das cerimónias”. A substituir o líder da oposição na cerimónia solene esteve a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão.
Mais ainda, pelo segundo ano consecutivo as cerimónias da Implantação da República foram vedadas ao público, tendo acesso apenas pessoas autorizadas.
Nas ruas circundantes à Praça do Município barreiras policiais controlavam o acesso ao recinto, solicitando uma acreditação para permitir a passagem, segundo constatou a agência Lusa no local.
Também nas cerimónias de 2023 o acesso à Praça do Município tinha sido condicionado aos populares, tendo sido colocadas baias de segurança a cerca de 150 metros das entidades oficiais que assistiam aos discursos do dia.
Fonte da Câmara Municipal de Lisboa disse à Lusa que os condicionamentos e todas as responsabilidades da segurança eram da PSP.