Continuam a gerar indignação dentro do PS, e não só, as declarações do presidente socialista da Câmara de Loures, Ricardo Leão – também presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS-FAUL – segundo as quais munícipes com cadastro devem ser despejados “sem dó nem piedade” das habitações municipais a que tenham direito. As declarações de Ricardo Leão surgiram na sequência de uma recomendação do Chega de alteração do regulamento municipal de habitação, permitindo despejar de casas municipais quem comete crimes
O presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão (PS), defendeu esta quarta-feira o despejo “sem dó nem piedade” de inquilinos de habitações municipais que tenham participado nos distúrbios que têm ocorrido na Área Metropolitana de Lisboa.
Essas polémicas afirmações de Ricardo Leão, que também presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS-FAUL, estão a gerar indignação entre os socialistas e não só: Os movimentos Vida Justa e Porta a Porta já repudiaram as declarações do presidente da Câmara de Loures, considerando que “não existe qualquer base legal” para a realização destes despejos. A CDU, única força política a votar contra a recomendação, alertou, através da vereadora Fernanda Santos, que a perda do direito à habitação seria “uma dupla discriminação”.
Num artigo publicado no jornal oficial do partido, “Ação Socialista”, a deputada Cláudia Santos considerou as declarações do autarca/dirigente distrital do PS como sendo de uma “gravidade inaudita”: “Devem ser rejeitadas sob tantos pontos de vista que se torna difícil elencá-los.
Cláudia Santos não foi a única responsável socialista a indignar-se com o autarca de Loures. Nas últimas horas, vários socialistas vieram a terreiro criticar Ricardo Leão e, segundo o Expresso, há mesmo um grupo de militantes a ponderar agir para pedir “responsabilidades políticas” ao autarca e dirigente distrital caso este não recue de forma efetiva.
Entre os socialistas o ex-ministro da Educação, João Costa, é uma das vozes mais criticas de Ricardo Leão. Em artigo de opinião publicado no Expresso, o antigo ministro socialista afirma: é “assustador” e lamentável” que o PS e o PSD tenham acompanhado uma recomendação apresentada pelo Chega, numa reunião de Câmara em Loures, na qual defende que as pessoas que cometam crimes e sejam arrendatárias de uma casa municipal devem ser despejadas.
”Foi noticiado que o PS e o PSD em Loures aprovaram uma proposta do Chega, de alteração ao regulamento municipal de habitação, para que se preveja ordem de despejo das casas municipais, quando se dá por provada a participação em crimes por parte dos arrendatários. É muito lamentável que estes dois partidos tenham acompanhado mais uma proposta populista e desumana do Chega, numa progressiva normalização de retrocessos que até há pouco tempo considerávamos inimagináveis na sociedade portuguesa”, considera João Costa.
Para o ex-ministro socialista, ”em Loures, entende-se que um condenado por um crime não tem direito a um teto para viver, porque, para além da pena que estiver prevista no Código Penal para os crimes que tiver cometido, a Autarquia deve ainda instituir umas penas acessórias, que, no caso, passam por remeter para a mais absoluta indigência o criminoso, retirando-lhe o direito fundamental à habitação”.
Entretanto, os movimentos Vida Justa e Porta a Porta já repudiaram as declarações do presidente da Câmara de Loures, considerando que “não existe qualquer base legal” para a realização destes despejos.
O Porta a Porta acusou, inclusivamente, Ricardo Leão de ter uma “cruzada contra o direito à habitação” em Loures, com o Vida Justa a considerar que o autarca tem procurado “arranjar constantemente justificações” para levar a cabo despejos no concelho.
O autarca socialista, durante a reunião pública da Câmara Municipal, na quarta-feira, afirmou para todos os que o quiseram ouvir: “É óbvio que eu não quero que um criminoso que tenha participado nestes acontecimentos, se for ele o titular do contrato de arrendamento é para acabar e é para despejar, ponto final parágrafo”.
As declarações do presidente da Câmara de Loures surgiram no final da discussão de uma recomendação do Chega de alteração do regulamento municipal de habitação, permitindo despejar de casas municipais quem comete crimes. A recomendação foi aprovada com os votos favoráveis do Chega, do PS e do PSD e contra da CDU.
O autarca manifestou ainda a intenção de imputar aos responsáveis pelos desacatos o pagamento dos cerca de 60 contentores que foram destruídos.
“Tivemos cerca de 60 contentores danificados ao longo do concelho, alguém vai ter de os pagar. Se for gente aqui do concelho, vou analisar com os juristas, vamos ter de pôr uma ação e eles vão ter de os pagar. Não é o erário público que os vai ter de pagar”, afirmou o presidente da Câmara Municipal de Loures.
Para os críticos de Ricardo Leão, ”carros incendiados, edifícios vandalizados, o terrível ataque ao motorista de autocarro, tudo isto é injustificado, porque não é com violência que as evidentes injustiças se resolvem. Como se afirmou na manifestação organizada pelo movimento Vida Justa, é com justiça que a paz se conquista. E, por isso, não precisamos de municípios que entendem substituir-se ao funcionamento da justiça encontrando novas penas”.
O ex-ministro João Costa lembra ao seu correligionário de partido que ”não é penalizando em cima de penalizações que se integra e se inclui. Esse é apenas o caminho para gerar mais descontentamento, mais revolta e mais violência. Que, depois da guetização, não surja como solução a retirada do teto é o mínimo da decência que se espera dos responsáveis políticos. Vêm aí eleições autárquicas. Não é a tocar as concertinas do Chega que se vão afirmar as diferenças”.
Livre lembra que caso de Odair “não é único nos últimos anos” e pede que polícia possa ter “formação em Direitos Humanos”
O Livre pediu hoje que haja “calma e serenidade na Grande Lisboa”, depois dos registos de vários distúrbios na região. Isto apesar de lembrar que “o caso de Odair Moniz não é único na Área Metropolitana de Lisboa nos últimos anos” e que a “recorrência deste tipo de situações deixa, cada vez mais, as populações em constante estado de alerta e receosas de intervenções policiais”.
Tal é, defendem, “oposto ao que se espera das forças de segurança”.
O Livre argumenta que a polícia deve ter “formação em Direitos Humanos”, estando ao serviço da população. Além disso, diz o partido, “é urgente rever a legislação que designa estas áreas como Zonas Urbanas Sensíveis, nomenclatura ainda utilizada pelos serviços de segurança que reforça conceitos ultrapassados e desumanos”.
A “política de policiamento reforçado aplicada nos bairros sociais já deu provas de que não é a mais eficaz”. “A solução deve focar-se na resolução dos problemas de base, começando pela melhoria das condições de vida das populações, proporcionando um melhor acesso à saúde, educação e serviços de assistência social”, argumenta o partido.
Registadas 140 ocorrências
Mais de 140 ocorrências de “desordem e incêndio” foram registadas na Área Metropolitana de Lisboa desde dia 21, com sete feridos e danos em meia centena de veículos, tendo já sido detidos 23 suspeitos, informou a PSP esta quarta-feira.
Em comunicado, a PSP refere que ao todo há 147 ocorrências registadas em 12 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa: Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Odivelas, Oeiras, Seixal, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira.
A ocorrência mais recente foi registada na madrugada de quarta-feira, na freguesia lisboeta de Benfica, onde arderam 10 automóveis, tendo sido detido “em flagrante delito” um homem de 44 anos, por suspeitas da prática do crime de incêndio, de acordo com a nota da PSP.
“Os polícias empenhados fizeram uso dos extintores presentes nos carros de patrulha, para, em conjunto com o Regimento de Sapadores de Bombeiros, combater os focos de incêndio. Ao detido foi apreendido diverso material suspeito de ter sido utilizado na deflagração dos referidos focos de incêndio”, refere a PSP.
Relativamente aos incidentes verificados desde 21 de outubro, na sequência da morte de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, a PSP reitera que foram registadas “várias ocorrências de desordem e de incêndio em mobiliário urbano (maioritariamente em caixotes do lixo), essencialmente na Área Metropolitana de Lisboa”.
Além de 23 suspeitos detidos, outros 23 foram identificados.
Sete pessoas ficaram feridas, duas das quais polícias, que foram apedrejados, e cinco cidadãos foram “esfaqueados” ou ficaram com queimaduras, entre os quais o motorista de um autocarro que ardeu em Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures, que sofreu ferimentos graves.
Ainda de acordo com a PSP, na sequência dos desacatos, desde a semana passada 39 automóveis e oito motociclos foram incendiados. Seis autocarros também sofreram danos, tendo quatro sido incendiados e dois apedrejados.
Cinco viaturas da PSP foram igualmente danificadas — “baleadas, incendiadas, apedrejadas” – e foram arremessados “engenhos pirotécnicos” contra uma esquadra da polícia.
Na nota, a PSP reitera estar “empenhada em manter a ordem, paz e tranquilidade públicas, em todo o território nacional, designadamente na Área Metropolitana de Lisboa”.
“A PSP repudia e não tolerará os atos de desordem e de destruição praticados por grupos criminosos, apostados em afrontar a autoridade do Estado e em perturbar a segurança da comunidade, grupos esses que integram uma minoria e que não representam a restante população portuguesa que apenas deseja e quer viver em paz e tranquilidade”, lê-se na nota.
Prometendo tudo fazer, em coordenação com as outras forças e serviços de segurança, para “levar à justiça os suspeitos de todos os crimes que têm sido praticados nos últimos dias”, a PSP volta também a apelar à calma e à tranquilidade.
Odair Moniz foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro, no Bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, e morreu pouco depois, no hospital.
Segundo a PSP, o homem pôs-se “em fuga” de carro depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.