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Profissionais de saúde ameaçam com desobediência civil

Médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros profissionais, num total de quase mil profissionais de saúde, subscreveram uma carta aberta contra a exclusão de cidadãos estrangeiros do SNS. Contestam a alteração à Lei de Bases da Saúde, aprovada no final da semana passada no Parlamento, que limita o acesso de migrantes em situação irregular aos cuidados de saúde públicos. E, por isso, admitem desobedecer.

Médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros profissionais, num total de quase mil
Foto: Renascença – Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, vê com naturalidade o debate da classe profissional de saúde

A ministra da Saúde confessa que vê “com muita naturalidade” a tomada de posição de mais de 800 profissionais que recusam cumprir a decisão de impor novas limitações a estrangeiros não residentes no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e admitem praticar atos de desobediência civil. Ana Paula Martins considera que estas opiniões “só podem enriquecer o debate democrático”.

“No SNS e no Ministério da Saúde faremos aquilo que a lei nos obrigar a fazer. Vejo com muita naturalidade o facto de cidadãos, independente de serem profissionais de saúde ou não, poderem ter a sua opinião e expressarem-na. Isso só pode enriquecer o debate democrático”, assegura, em declarações aos jornalistas.

Questionada sobre a carta aberta contra a alteração à Lei de Bases da Saúde aprovada no dia 19 de dezembro já assinada por mais de 800 profissionais de saúde, Ana Paula Martins adianta que não conhece o seu conteúdo, mas garante estar tranquila.

“O meu único comentário é de que são cidadãos que estão a usar o seu direito cívico de se manifestarem contra uma proposta que foi votada na Assembleia da República e que terá agora a sua discussão”, atira.

A ministra argumenta por isso que esta não é uma discussão que diz exclusivamente respeito aos políticos e representantes da casa da democracia: “É uma discussão que diz respeito a todos e é perfeitamente natural que haja tomadas de posição e opiniões.”

Ana Paula Martins afirma que este é “um momento de reflexão e debate” sobre matérias que são “muito sensíveis e delicadas”. Defende por isso a necessidade de existir um “grande equilíbrio”.

Sobre possíveis as possíveis consequências que terão os profissionais de saúde que se recusarem a cumprir com aquilo que está previsto na proposta, a governante evita “antecipar”.

“Trata-se de uma carta, ainda que importante, não li ainda. Mas estamos a tentar antecipar uma discussão que é do país”, sublinha a ministra Ana Paula Martins, em resposta a carta aberta à carta aberta subscrita por 840 profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros profissionais”, contra a alteração à Lei de Bases da Saúde aprovada no dia 19 de dezembro.

Para os subscritores da carta, estas alterações condicionam o acesso dos imigrantes em situação irregular, pelo que se comprometem “a continuar a prestar cuidados a todas as pessoas, sem discriminação, considerando que a proteção da saúde da população visada, no âmbito da ética e a deontologia que regem as suas profissões, poderá justificar ações de desobediência civil”.

Dificultar combate à doença

Acusando o Governo de promover desigualdades e dificultar o combate a doenças transmissíveis, os subscritores recordam que, em França, uma medida semelhante não avançou devido à oposição de 3.500 médicos.

“Utentes daqui e de outros lados, a nossa porta está aberta para todos. E assim continuará”, prometem. Para os subscritores, a alteração é discriminatória, viola a constituição e tratados internacionais e “agravará desigualdades, sobrecarregará os serviços de urgência e comprometerá a saúde pública, ao dificultar o acesso a cuidados de saúde em segurança e à prevenção e tratamento de doenças transmissíveis”.

Em declarações à Lusa, um dos promotores, o médico André Almeida, explica que os profissionais de saúde não podem subscrever uma nova lei que é “discriminatória e atenta contra os princípios de ética e deontologia” ao afastar pessoas do SNS.

A implementação destas regras levará a que “pessoas que trabalham, que são contribuintes líquidos, tanto do ponto de vista tributário como para a segurança social, ficassem sem assistência e o mesmo também se aplica às suas famílias, mesmo inclusivamente para mulheres grávidas e crianças”, afirmou o médico da Unidade Local de Saúde de São José.

“Nós achamos isso inaceitável” e “esperamos que esta lei seja revogada nos órgãos de soberania e que não passe no crivo da Presidência da República”.

No seu trabalho diário, André Almeida lida com pessoas migrantes que estão no país “há bastante tempo, mas devido aos atrasos processuais da AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] e antigamente do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] não têm a sua situação regularizada”.

Por isso, estes imigrantes já “enfrentam uma série de obstáculos no acesso ao sistema de saúde”, mas com “esta alteração à lei, estas pessoas vão ser afastadas de assistência essencial”, particularmente nas urgências, explicou o médico.

Exclusão de migrantes

Segundo um levantamento estatístico, “a população não-residente em Portugal que recorre ao SNS é residual”, escrevem os subscritores, recordando que este tipo de medidas noutros países mostra “os impactos negativos a nível de saúde pública, mortalidade e custos económicos”.

No caso espanhol, “a exclusão de migrantes não documentados do sistema de saúde, em 2012, resultou num aumento de doenças contagiosas, maior mortalidade e custos elevados devido à sobrecarga nos serviços de urgência”, obrigando o Governo a rever a lei em 2018.

Na sexta-feira, foram aprovados projetos de Lei do Chega e do PSD e CDS-PP sobre as condições de acesso de cidadãos estrangeiros não residentes ao SNS. A proposta de lei do Chega altera a Lei de Bases da Saúde de 2019 para limitar o acesso ao SNS a estrangeiros que não residam em Portugal, só lhes permitindo aceder aos cuidados de saúde públicos em casos de emergência ou mediante pagamento.

Também o projeto de lei apresentado por PSD e CDS-PP visa alterar a Lei de Bases da Saúde para travar a “utilização abusiva” do Serviço Nacional de Saúde por estrangeiros não residentes em Portugal, exigindo documentação extra a estes cidadãos.

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