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Justiça: As bolhas rebentam quando os poderosos são atingidos

Não fora o acréscimo do célebre parágrafo, no âmbito das investigações da operação “Influencer” que levou o ex-primeiro ministro António Costa a demitir-se – o que, ironicamente, o deixou livre para o alto cargo de Presidente do Conselho Europeu, prestes a assumir – e a Procuradora-Geral da República que vai ao Parlamento a 11 de Setembro, acabaria o seu mandato, em outubro, sem história.

Contrária aos seus hábitos, a primeira entrevista a um órgão de comunicação social, oito meses depois do facto, pôs a descoberto, como nunca em tal se tivesse reparado, a ausência de comunicação e a Casa desarrumada do Ministério Publico que hierarquicamente dirige, em autonomia conquistada, o que, para alguns, é exagerada.

Muito se tem escrito e falado sobre a postura de Lucília Gago e é verdade que nos causa estranheza a forma como o parágrafo surgiu ou a necessidade e a importância do mesmo. Mas, se o não tivesse escrito, estaríamos de igual modo a discutir a sua omissão pois, com grande probabilidade, teria sido a comunicação social a divulgar tais referências.

Ainda que algumas das suas declarações nos tenham deixado dúvidas e também perplexidades, há mais de duas décadas que se vem falando do necessário combate à corrupção, da lentidão da justiça dos métodos de investigação e da sua transparência do exagero das escutas e do já velho segredo de justiça. Esquecemo-nos que governo após governo, deixaram sempre as grandes reformas para o seguinte.

Ao longo da nossa democracia tivemos procuradores mais comunicativos e tivemos também outros menos mediáticos. Souto Moura, em declarações públicas, admitiu em dado momento, que uma das suas limitações era lidar com a comunicação social.

Embora os contextos políticos e sociais sejam hoje mais exigentes quanto ao escrutínio de todos os poderes públicos e a sua necessária transparência, os diferentes poderes sociais parecem ter-se contentado, até aqui, com os discursos da Procuradora-Geral em momentos oficiais. Nunca vimos, antes, questionarem sobre os tradicionais relatórios em falta. Tudo seguia sem grandes turbulências.

Têm sido, desde há décadas, os casos que envolvem figuras políticas ou de outros grandes poderes, os que têm causado maiores controvérsias e acesos debates. É como se os poderosos, quando atingidos, rebentassem todas as bolhas. De algum modo desenterram os males da justiça que afetam todos os cidadãos e que, na sua maioria, não conseguem fazer ouvir a sua voz. Nesta medida estas polémicas são profícuas. Veja-se como várias personalidades, a propósito das afirmações de Lucília Gago, se têm pronunciado, tendo tido, algumas, os seus interesses molestados em processos de investigação ou mesmo condenações. Algumas destas pessoas integram o manifesto pelas reformas da justiça, nomeadamente no Ministério Público.

É verdade, já o sabemos, que orquestrada ou não, este tipo de grupos de opinião ou debates acabam sempre por exercer alguma pressão. Ao longo dos anos, todos os Procuradores da República, até mesmo o hábil Cunha Rodrigues, que esteve no cargo ao longo de 16 anos, evidenciaram a existência de interferências estranhas. Quem não se recorda das escutas encontradas no seu próprio gabinete?

Souto Moura, o magistrado que lhe sucedeu (2000-2006), teve várias vezes sob fogo cruzado e uma das mais polémicas investigações da justiça portuguesa, a do escândalo da Casa Pia, terá deixado o seu lugar em perigo. O mais alto magistrado que enfrentou no seu mandato também os processos da Universidade Moderna, de Fátima Felgueiras e do Apito Dourado, referiu em certo momento que a pior coisa que pode acontecer a um procurador-geral da República é ter um processo contra o primeiro-ministro do seu país. “Seria de uma hipocrisia enorme dizer que é

um processo igual aos outros porque não é”, disse, três anos depois de deixar o cargo.

Joana Marques Vidal, recentemente falecida e que foi a primeira mulher a exercer o cargo (2012 e 2018), deixando uma forte marca no combate ao crime económico financeiro e modernizou o Ministério Público, várias vezes aludiu a pressões que enfrentou quando do desencadeamento de processos como a Operação Marquês que envolve o antigo primeiro ministro José Sócrates e ainda não terminou. Mas também o caso Lex e Fizz. Não hesitou ao afirmar que em Portugal havia muita corrupção. A sua recondução no cargo, rejeitada pelo atual Presidente da República e pelo então primeiro-ministro António Costa, ainda que vários sectores da sociedade a considerassem competente, foi também de grande polémica no meio,

O seu antecessor, Pinto Monteiro, que ao longo de seis anos (2006 e 2012) lidou com dois governos de diferentes cores políticas, teve um mandato muito conturbado com os casos Freeport, Face Oculta, a compra de submarinos e as escutas. Anos depois da sua saída, admitiu que o Freeport foi “um processo político” e considerou “inédita” a decisão do tribunal de extrair uma certidão para que investigasse indícios de envolvimento do antigo primeiro-ministro José Sócrates.

A atual Procuradora-Geral da República que na entrevista aludiu a uma cabala orquestrada contra o Ministério Público, tem agendada uma audiência com o Parlamento para 11 de Setembro, um mês antes de concluir o cargo. A audiência que se prevê longa e esmiuçada pelos deputados, terá certamente subjacente o parágrafo cujas consequências Lucília Gago diz não se sentir responsável, mas também, previsivelmente, o mesmo registo de postura da mais alta magistrada do Ministério Público,

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Otília Leitão
Otília Leitão
Doutorada em Ciências da Comunicação no ISCTE-IUL (2021), Mestre em Comunicação, Media e Justiça Universidade Nova de Lisboa ( 2010-2012). Licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa (Menção jurídico políticas). Curso de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (sistema e-learning) Instituto Camões.

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