Abertura Solene
Portugal, 1976: Marcello Caetano, exilado no Brasil, imaginou um plebiscito para validar o seu legado. Não deu tempo. A História, essa performance anárquica, preferiu entregar o palco aos Capitães de Abril. Hoje, quase meio século depois, a democracia tornou-se um festival tão previsível quanto uma música de espera ao telefone, tocada em loop. No entanto, insisto: ir votar a 18 de Maio de 2025 não é um acto cívico. É um ritual alquímico. Ou, como diria Alberto Pimenta, um “poema performático escrito com tinta invisível”.
Primeira Torção: O Voto como Equação
Dizem que não votar é ceder poder ao vencedor. Mas o que é o poder senão uma ilusão matemática? Imagine-se: se 60 por cento dos eleitores abstêm-se, o partido mais votado triunfa com 15 por cento do eleitorado total. Isto não é democracia; é um haiku escrito por um algoritmo. O abstencionista, nesse teatro, torna-se o Deus ex-machina de um enredo que nem Eurípides ousaria escrever.
Segunda Torção: A Esquerda que Não É Esquerda, a Direita que Não É Nada
A política portuguesa contemporânea assemelha-se a um quadro de Júlio Pomar pintado por encomenda: cores vibrantes, formas ambíguas, significado ausente. A Esquerda, outrora devota de Marx, agora recita mantras de gestão de branding. A Direita, entrincheirada num país sem lei ideológica, debate-se como um personagem de Gil Vicente sem texto. E o eleitor? Esse é convidado a escolher entre um ersatz de utopia e um déjà vu de pragmatismo.
Terceira Torção: O Método de Borges para Anular o Voto
Há quem defenda votar em branco, riscar cruzinhas ou inventar partidos. Sugiro algo mais simples: escrever no boletim o nome de D. Sebastião, o criptomonarca que, segundo a lenda, regressará numa manhã de nevoeiro. Ou, quem sabe, fundar o Partido do Café Com Cheirinho a Revolução. O voto é secreto, mas a abstenção é um manifesto à luz do dia — e os manifestos, como sabia Lenine, são sempre lidos pela polícia.
Quarta Torção: A Canalização de Ventura e a Metafísica do Imodium
O autor confessa: também não lhe apetece ir. A campanha eleitoral transformou-se numa ópera bufa onde os candidatos, qual alquimistas medievais, prometem transmutar a estagnação em ouro. Até Ventura, com a sua retórica, agora de “esgoto” entupido, parece saído de um tratado de Paracelso sobre “humores corporais e desequilíbrios políticos”. Mas eis o segredo: o voto, como o Imodium, não resolve o problema — apenas adia o desfecho inevitável.
O Café, a Arrufada e o Fantasma de Caetano
Saia de casa. Vote. Ou não vote, mas dobre o papel e ponha-o lá. E, por favor, compre um café e uma arrufada. Enquanto mastiga, lembre-se: em 1973, Caetano sonhava com urnas; em 2025, temos urnas que sonham com eleitores. A democracia, essa máquina finita, sobrevive não pela convicção, mas pelo absurdo. Será isto uma sátira? Uma triste verdade? Ou somente o enigma que D. Sebastião deixou na névoa de Alcácer-Quibir?
Se, após ler isto, ainda hesita em votar, considere: até o fantasma de Salazar — sim, aquele — assinou uma petição a favor da abstenção. E olhe que ele sabia coisa ou duas sobre controlar multidões.