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E Agora, Quem Julgará Sem Julgar? — A Igreja Enlutada e o Funeral de Uma Revolução

Jorge Mário Bergoglio morreu. E com ele, o último resquício de esperança de que a Igreja Católica deixasse de parecer uma série da Netflix sobre conspirações milenares e passasse a ser, sei lá… Cristã?

Morreu o Papa Francisco. O homem que ousou. O homem que, num lugar onde até os quadros têm mais testosterona que empatia, disse “Todos, todos, todos” — e acreditou nisso. Sim, porque dizer, todos dizem. Até o diabo cita as Escrituras, mas Francisco citava com coração. E com risco.

O ritual do adeus foi tão rígido quanto a cúria que ele tentou abalar: o camerlengo chamou-o três vezes, “Jorge Mário, Jorge Mário, Jorge Mário” — como se fosse um pai à janela a gritar pelo filho que se atrasou para jantar. Não houve resposta. Natural: o homem que sempre respondeu à dor do mundo, agora, finalmente, descansava.

Seguiu-se a rotina milenar: selar o apartamento papal — não vá algum cardeal mais dado ao souvenir levar o último par de sandálias humildes; destruir o Anel do Pescador — símbolo de autoridade e, ironicamente, de uma Igreja que Francisco queria menos dourada e mais descalça.

Francisco foi Papa como quem é revolucionário com votos de castidade. Questionou o celibato, os anticoncecionais, o papel da mulher na Igreja, o julgamento aos homossexuais, o papel social do catolicismo, os refugiados, as guerras, os tiranos e até o capitalismo que tantos cruzes financia. Pior que isso: fez perguntas. Muitas. E em Roma, sabe-se, perguntar é meio caminho andado para o exílio (ou a canonização póstuma, vá, para inglês ver).

Fez questão de ser o primeiro Papa a levar a palavra de Cristo aos não-cristãos. E não com bíblia na mão e dedo em riste, mas com abraço e olhos nos olhos. Aos divorciados, disse: “A porta está aberta.” Aos homossexuais, perguntou: “Quem sou eu para julgar?” A todos os outros, lembrou que Deus não é gerente de clube privado. E que o Céu não é condomínio fechado.

Mas, agora, Francisco morreu. E com ele, talvez, uma parte do sonho. Não era perfeito — nenhum reformador o é — mas foi, sem sombra de dúvida, o mais próximo que o Vaticano esteve de um upgrade de sistema operativo nos últimos séculos. Não mudou tudo, mas moveu placas tectónicas. Fez tremer a estrutura. E isso, num mundo onde um tweet já escandaliza, foi quase milagre.

Na sua última aparição pública — esse adeus na varanda de São Pedro, no domingo de Páscoa — abençoou o mundo com a serenidade de quem sabe que está a partir, mas deixa obra feita. Disse, como tantas vezes: “Não há democracia com fome nem justiça com desigualdade.” Disse-o como quem assina o testamento da sua missão.

A pergunta que sobra agora, enquanto os sinos dobram e os abutres engraxam as sotainas, é simples:

Quem vem a seguir?

Conseguirá o próximo Papa continuar a revolução ou vamos assistir à instalação do travão de mão espiritual em modo concílio de 1962?

O conclave aproxima-se e os bastidores fervem. Há quem já afie dogmas e tenha saudades do latim e da palmatória. Há quem sonhe com um regresso à época em que ser Papa era ser gestor de indulgências e não pastor de almas. Francisco abriu portas, sim — mas há sempre alguém com vontade de as trancar. E de esconder a chave.

O Papa bom morreu. A Igreja que ele queria viva ainda não nasceu. Resta saber se o Espírito Santo vai soprar para o mesmo lado ou se, cansado, se limita a suspirar.

O mundo perdeu uma bússola. A Igreja, um reformador. E Deus — se existe e lê jornais — deve estar com um nó na garganta.

Que as perguntas de Francisco continuem a ecoar.

Mesmo que, no Vaticano, haja quem prefira a surdez selectiva ao incómodo da dúvida.

Afinal, como dizia o próprio: “Deus é maior do que qualquer pecado.”

E, se for mesmo justo, não vai deixar isto tudo nas mãos do próximo com aspirações a CEO da fé.

Requiescat in pace, Papa Francisco. Ou, como diria o povo:

Já temos saudades tuas. E medo do que vem aí.

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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

1 COMENTÁRIO

  1. Uma grande perda…A igreja já estava a atravessar uma mudança, será que avança ou irá retroceder com o novo substituto.Papa Francisco era um homem simples e muito afável. Deixa marcas muito positivas…

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