Era uma vez um país onde as sondagens eram mais respeitadas do que a Constituição, e o horóscopo do Diário de Lisboa teria mais rigor metodológico do que a maioria das empresas de opinião. Portugal, terra subtil aonde partidos desaparecem não por obra de eleitorado, mas por intermissão estatística, prepara-se para eleições no dia 18 de Maio de 2025 com a consistência política de um soufflé de sardinha.
Nalgumas projecções, o Bloco de Esquerda evapora-se como o ectoplasma de uma sessão espírita fracassada; noutras, o Partido Comunista é às vezes recordado com a mesma ternura com que se fala do Prior do Crato — “aquele tipo que quase foi rei”. O PAN, ao que parece, é uma lenda urbana como a mula sem cabeça. E Joana Amaral Dias, camaleão de laboratório, ora é Lenin em crocs, ora Thatcher em cabedal, não figura sequer nos rodapés.
Mas não nos adiantemos.
Se a prática da alquimia não tivesse caído em desuso desde o Tratado de “Aurora Consurgens”, talvez ainda pudéssemos transmutar estes restos partidários em ouro cívico. Falhando isso, proponho eu — em total servidão patriótica — a criação de seis novos partidos para o Parlamento da República do Absurdo:
1. P.U.F. – Partido Único da Felicidade Líder: Goucha, em regime de semi-retiro espiritual. Ideologia: Promete felicidade obrigatória via decreto-lei. Quem estiver triste será multado e obrigado a frequentar workshops de “mindfulness” com Carlos Daniel.
2. M.A.O. – Movimento de Auto-Ofensa Líder: Soraia Chaves, num papel de auto-flagelação pública. Ideologia: Cada cidadão deve assumir a culpa por tudo o que corre mal no país, incluindo as cheias, os fogos e os pastéis de nata queimados.
3. C.O.L.O. – Círculo de Observação Lenta da Obviedade Líder: José Rodrigues dos Santos, a lêngua de veludo e veneno. Ideologia: Todas as propostas legislativas serão lidas em voz alta, devagar, para garantir que até uma samarra entenda.
4. A.B.U.T.R.E. – Agremiação de Beneficiários da Urgência Técnica e Rápida de Emigração Líder: Carlos Moedas, com mapa-mundi debaixo do braço. Ideologia: Promover a saída ordenada de todos os portugueses para territórios mais promissores, como a Lapónia ou o bairro russo de Béchar, Argélia.
5. S.A.P.O. – Sociedade Avulsa de Promessas Ocasionais Líder: valter hugo mãe, o último oráculo de promessas sem prazo. Ideologia: Campanhas eleitorais consistirão apenas em frases inspiradoras, como “um dia talvez” e “amanhã quem sabe”.
6. V.E.R.M.E. – Vanguarda Estratégica de Reformadores Moderadamente Enraivecidos Líder: Inês de Medeiros, com pose de semi-revolucionária de café. Ideologia: Fazer revoluções muito pequenas, quase invisíveis, para não incomodar quem dorme.
Seis novas quimeras para substituir as antigas. Seis novas promessas de nada, talvez mais sinceras que as promessas de tudo a que nos habituámos. Será esta a solução? Uma purga pelo absurdo, uma catarse pela ironia? Ou apenas o delírio de quem já não encontra sentido na normalidade aparente? Talvez o espírito da Reforma Agrária se orgulhasse desta colheita de ideias, se ainda tivesse quem a regasse. Mas ninguém rega. Ninguém sequer olha.
Dirão alguns que a democracia é isto: um circo, onde ocasionalmente se troca o palhaço. Mas aqui, até a lona do circo desfaz-se.
Para terminar, e porque o desespero também se canta, recordemos a velha trova: “P’ra melhor, está bem, está bem, Pr’a pior já basta assim.”
Ou talvez nem isso. Talvez, como na lenda do burro de Buridan, continuemos parados, a morrer de fome entre duas urnas de voto.