Cerimónia histórica foi marcada pela simplicidade e pela universalidade do pontificado de Francisco. A Praça de São Pedro, no coração do Vaticano, foi hoje o epicentro de uma das mais emocionantes cerimónias fúnebres da história recente da Igreja Católica. Mais de 250 mil pessoas prestaram a sua última homenagem ao Papa Francisco, falecido na última segunda-feira aos 88 anos, na sequência de um agravamento do seu estado de saúde
Desde as primeiras horas da madrugada, milhares de fiéis, vindos de todas as partes do mundo, formaram longas filas para garantir um lugar na cerimónia. As portas da Praça abriram às 05h30 da manhã (hora local), sob fortes medidas de segurança, numa operação cuidadosamente coordenada para acolher as 160 delegações oficiais presentes, entre elas 50 chefes de Estado e de governo e 10 monarcas.
Uma cerimónia marcada pela simplicidade
A “Missa exequial pelo Romano Pontífice Francisco”, presidida pelo decano do Colégio Cardinalício, D. Giovanni Battista Re, refletiu a vontade expressa pelo próprio Papa de um funeral sóbrio e sem pompas excessivas. Ao contrário do costume nos funerais papais, Francisco abdicou dos tradicionais três caixões de cipreste, chumbo e carvalho, optando por um caixão simples de madeira, revestido a zinco.
A celebração contou com leituras bíblicas diferentes daquelas usadas no funeral de Bento XVI, destacando a missão de São Pedro, o primeiro Papa, conforme descrita no capítulo 21 do Evangelho segundo São João. A missa, maioritariamente celebrada em latim, abriu espaço para diversas línguas — entre elas o português — simbolizando o caráter inclusivo do pontificado de Francisco.
Durante a oração universal, uma das intenções foi lida em português, pedindo a Deus pela justiça e a paz entre as nações. O gesto emocionou os presentes e refletiu o cuidado do Papa em representar todos os povos, culturas e sensibilidades.
Um Papa para todos
Francisco, cuja vida foi marcada pela busca incansável da inclusão, da paz e da simplicidade, conseguiu, mesmo no seu funeral, reunir personalidades tão distintas quanto leigos e religiosos, chefes de Estado e cidadãos anónimos, admiradores e antigos críticos. Um dos exemplos mais simbólicos foi a presença do presidente argentino Javier Milei, que no passado se referira a Francisco em termos pouco respeitosos, mas que hoje esteve entre os líderes que se despediram do Papa com reverência.
A cerimónia emocionou os presentes com o soar dos sinos da Basílica de São Pedro e o cântico do coro da Capela Sistina, marcando momentos de profundo recolhimento e respeito. Durante o rito da “Ultima Commendatio” e da “Valedictio”, o caixão foi incensado e aspergido com água benta, antes de ser levado para a última viagem.
A última viagem pelas ruas de Roma
Após a Missa, o corpo do Papa foi transportado num cortejo fúnebre que percorreu cerca de 5,5 quilómetros pelas ruas históricas de Roma, passando por locais emblemáticos como a Praça Veneza, o Fórum Imperial e o Coliseu. O percurso, visível para milhares de pessoas, refletiu o desejo de Francisco de se manter próximo do povo até ao último momento.
Sem a habitual procissão a pé, o caixão seguiu diretamente para a Basílica de Santa Maria Maior, rompendo com uma tradição que vinha sendo mantida há séculos. Foi também a primeira vez, em mais de 120 anos, que um Papa foi enterrado fora do Vaticano — o último tinha sido Leão XIII, em 1903.
Sepultura simples para um líder extraordinário
O caixão foi colocado num túmulo discreto, de mármore da Ligúria, região natal dos avós do Papa, apenas com a inscrição “Franciscus” e a reprodução da sua cruz peitoral. A cerimónia de sepultamento foi privada, sem transmissão televisiva, e contou com a assinatura do “ato autêntico” de sepultura, lavrado pelo notário do Capítulo Liberiano e assinado pelas autoridades vaticanas competentes.
Com a entoação do “Regina Coeli”, oração mariana típica do tempo pascal, o mundo despediu-se formalmente de Francisco, iniciando-se nove dias de luto oficial, marcados por missas diárias em homenagem ao Papa que deixou uma marca profunda na história recente da Igreja.
Um Papa que preferiu somar em vez de dividir, que abriu portas ao diálogo e que inspirou milhões com a sua humildade e fé. Francisco despede-se como viveu: com a dignidade simples dos grandes líderes.